domingo, 30 de maio de 2010

Arvoreando

Flores, são todas as cores
De tantos amores,
Que eu nunca esqueci
Límpida, passa no peito essa seiva
Verdade que me une a você
Livre, de toda a maldade essa tal de amizade
Pra mim é raiz
Que deixa marcas no solo,
É a beleza de um colo no ombro do sim.

Necessidade da terra, presença
Essencial para a vida,
A sua maneira de ser para mim
Já poda o que há de ruim
A minha vontade é de ser para você
Feito sombra, descanso sem fim.
E se algum dia esquecer de mim
Só se lembre que eu tenho raiz
Só se lembre que estou por aqui.

- Maninho.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Obrigada Senhor:

Pelo dia de ontém
e de outros que o antecederam.
Obrigada Senhor!
Pela rosa do jardim
Pelo botão entreaberto
Pela luz do sol.
Obrigada Senhor!
Pelos dias de chuva
Pelo murmúrio das águas
agitação do vento
aperto de mãos amigas,
quietude silenciosa da noite
barulho das ruas paulistanas
pressa dos homens
invenções humanas.

Obrigada Senhor!
Pelo reflexo dos espelhos
Perfume das flores
cores do arco-íris
cântico dos pássaros;
primavera florida
verão ensolarado,
outono romântico.
inverno friorento.

Obrigada Senhor!
Pela lã dos carneiros
Pelas árvores verdejantes
pelos momentos de solidão;
pela divisão do tempo em horas
e das horas em minutos;
Obrigada Senhor!
Pelas graças que nos concede,
pela resignação dos sofredores,
alegria dos sãos
vivência dos trabalhadores;
repouso dos velhos
inocência das crianças
pureza das águas cristalinas
harmonia do universo.

E acima de tudo
Obrigada Senhor
Pela criação do amor!
do amor para com o próximo
na solidariedade universal!
amor pelos irracionais
amor dos racionais
amor dos homens pelo Senhor
amor dos pais por seus filhos;
pelo amor dos irmãos
e daqueles que irmanaram

Não o culpo Senhor
Pelo ódio de alguns homens
que desejam o poder terrestre
Não o culpo Senhor
Pela desigualdade de classes sociais
Sei que criados à sua imagem
os homens são diferentes
como os dedos da mão.
Assim como cada dedo
tem o seu próprio mistér,
e deve saber executá-lo.
Também devem os homens cumprir
suas diferentes missões;
Obrigada Senhor!
Pelas diferenças existentes;
e pelas semelhanças;
E mesmo que minha vida terrestre
neste momento se acabe,
agradeço-lhe Senhor,
por me haver permitido viver
e concedido a oportunidade de apreciar
Sua inigualável obra de Criação
Pelos que já viveram.
e pelos que vão nascer.

Obrigada Senhor!...

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

Que idéia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

"Constituição íntima das coisas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

- Alberto Caeiro